Ok.
Não que tenha feito muita falta. Mas eu não escrevo desde de quarta feira porque eu simplesmente, estou assim, perdida.
Não. Mentira. Já estive mais perdida.
O fato é que. Quinta feira minha amiga veio me trazer em casa e eu fui mostrar um album de fotos das minhas amigas. E cara. Ela começou a falar, q eu devia sentir muita saudade e que não sei o que. E não sei. Aquelas coisas ficaram na minha cabeça.
E eu não sou tão anti-social quanto eu pensava.
Eu fico me enganando. O pior não é me enganar. O pior é eu sempre acreditar.
Eu acreditava que se minha irmã tivesse aqui comigo, tudo ia estar bem.
Não. As coisas não estão bem.
Eu sinto um PUTA falta das minhas amigas. Eu preciso delas. Sabe. Nem que seja pra ver uma vez por semana. Mas elas fazem uma puta falta. E acho que as pessoas não são completas sem amigos. E acho que tem amigos que duram pra sempre. E não acho que só a familia que é importante. Amigos são importantes. MUITO.
E o que eu tenho pensado, mais que nunca, é, O QUE RAIOS EU ESTOU FAZENDO AQUI?
E eu chego a conclusão que talvez seja all-about the money. E o conforto que ele tras. Eu NÃO quero estar aqui por isso. Me sinto traida por mim mesmo.
Mas agora. Meu problema , é que eu quero conquistar minha indenpendencia financeira (uau hein.). A sério. E pra isso eu primeiro preciso pagar minhas dividas.
É que, e isso pode parecer estupido pra voce, eu preciso provar pras pessoas e pra mim, que eu não preciso de dinheiro pra viver bem. E não adianta me dizer ao contrario. Vocês não tem uma ideia de como meu sangue sobe quando meu pai fala que eu sou consumista. Ou então minha madastra (que merda, nunca gostei desse termo) falar que eu quero logo pagar minha divida porque eu quero GASTAR. Porra. Eu odeio isso. Odeio essa imagem que tem de mim. Eu não preciso comprar pra ser feliz. Não mesmo. Não que eu não goste de comprar. Mas não significa tanto pra mim.
Não sei. Eu não estou gostando nada de estar aqui no momento.
É tanta coisa que eu quero botar pra fora.
Primeiro. É horrivel estar num lugar sem amigos. Sem colegas. Eu convivo o dia inteiro, a semana inteira com ADULTOS. Não. Eu quero é sair com as minhas amigas. Fazer bosta, rir. Eu não tenho a mesma realidade que eles. Não penso como eles. Ainda tenho muito pra viver.
Depois. Eu odeio pessoas não-sinceras. Sabe. Pessoas que ficam toda hora comentando meu comportamento por trás. Talvez eu não consiga mais viver com ninguém por causa disso. Eu preciso lidar. Mas ao mesmo tempo. Não quero. Sabe. Se a pessoa tá achando alguma coisa de mim, que venha falar pra mim. Sabe. E eu odeio isso. Porque é o que rola com a mulher do meu pai e do meu pai. Eles se contam tudo. E conversam sobre tudo. Só que tipo. Quando é com a mãe e o pai da gente, isso é diferente, porque a mãe também tem segredinhos com a gente. Ah. Eu não sei explicar. Só sei que é algo que me irrita. Quando eu tô mal, em vez de virem falar comigo, não, ficam inventando coisas sobre mim. Teorias mirabolantes. E tudo vira motivo de fofoca sabe. Se eu perguntar pra mulher do meu pai, alguma coisa por ex., não sei, a coisa mais estupida que seja, ela vai logo contar pro meu pai. É bom por um lado. Porque coisas que eu não consigo falar pro meu pai, eu falo pra ela e eu sei que ela passa o recado. Agora. Eu me sinto sozinha aqui. E não posso contar coisas minhas pra ela, porque meu pai vai ficar sabendo. É uma merda.
E a terceira coisa que fica martelando na minha cabeça, é se eu estou agindo certo com a minha mãe. Mas isso fica pra outro post que eu já tinha começado a escrever.
A TABACARIA
Álvaro de Campos
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu.